segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Pedido de desculpas reafirma a legitimidade da luta pela terra



Brasil e Pará se desculpam com famílias das vítimas da chacina da fazenda Ubá e cerimônia expõe indisposição do Governo brasileiro em relação ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos


Depois de quase três décadas do massacre que deixou oito trabalhadores rurais mortos na ocupação da Fazenda Ubá, o Estado brasileiro e o Estado do Pará reconheceram publicamente sua responsabilidade pelo ocorrido e formalizaram o pedido de desculpas às famílias das vítimas da chacina.
A cerimônia que marcou esse reconhecimento foi realizada na última quinta-feira (16), no local do crime, que hoje é o assentamento Ubá, em São Domingos do Araguaia, sudeste paraense.
Familiares das vítimas, trabalhadores rurais e militantes dos direitos humanos se reuniram na cerimônia para presenciar esse fato, que é histórico. “Com esse ato, o Estado não só assume publicamente sua responsabilidade em relação à Chacina da Fazenda Ubá, mas também reconhece como justa a luta pela posse de terra no campo e como necessária a adoção de políticas públicas para combater a violência rural”, diz o presidente da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), Marco Apolo Santana Leão.
O pedido de desculpas faz parte do acordo assinado pelo Brasil junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH/ OEA) em 2010, que até agora só foi parcialmente cumprido.
O Estado já cumpriu com o pagamento de indenização e pensão vitalícia às famílias das vítimas, mas seu assentamento em projetos de reforma agrária ainda aguarda cumprimento, assim como a instalação de defensorias e ouvidorias agrárias na região.
Na solenidade, o Estado brasileiro foi representado por André Saboya, coordenador da Assessoria Internacional da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Representando o Pará, esteve presente o secretário de Justiça e Direitos Humanos, Acreano Brasil. Carlito Ferreira, filho de José Ferreira, uma das vítimas da chacina, representou as famílias atingidas pelo crime na solenidade.
“Minha mãe ficou viúva aos 34 anos. Ela nunca tinha feito trabalho pesado no campo. Antes da morte do meu pai, ela era dona de casa e cuidava dos filhos. Não recebemos apoio nenhum. Ela ia para a roça e eu ficava em casa e cuidava dos meus irmãos. O que está acontecendo hoje dá fim a um descaso de muitos anos. Conseguimos chegar até aqui graças ao apoio de organizações como a SDDH, a Cejil e a Comissão Pastoral da Terra. Esta retratação é uma amostra da força da nossa luta e da importância do Estado brasileiro reconhecer o que aconteceu”, disse Carlito, que também cobrou o cumprimento integral do acordo assinado junto à CIDH.
Crime - Em junho de 1985, oito agricultores, entre eles uma mulher grávida, foram mortos por
pistoleiros na ocupação da Fazenda Ubá, onde hoje é um assentamento de reforma agrária com o mesmo nome. O julgamento do mandante das mortes, o fazendeiro José Edmundo Vergolino, foi realizado 21 anos após o crime, em dezembro de 2006. Outros dois acusados de participação foram julgados em 2011, à revelia e continuam foragidos.



João Evangelista Vilarina, Francisco Pereira Alves, Januária Ferreira Lima, uma mulher conhecida apenas como Francisca (grávida e que jamais foi identificada) e Luís Carlos Pereira de Sousa foram executados no dia 13 de junho de 1985.
Cinco dias depois, os mesmos pistoleiros executaram José Pereira da Silva, Valdemar Alves de Almeida e Nelson Ribeiro. Suas casas foram queimadas e os corpos amarrados e afundados no rio.
Na justiça brasileira, o processo levou 26 anos até o julgamento de todos os réus. Essa demora se deve a longos períodos de completa inatividade processual e prazos abusivos. Pode-se citar, por exemplo, o imenso prazo no qual se deu a fase de alegações finais, que perdurou por 1.280 dias, sendo que o prazo legal seria de 25 dias.
O caso foi denunciado à CIDH em 1999. Na denúncia, a sociedade civil acusava o Estado de violar a Convenção Americana de Direitos Humanos, por não proteger os trabalhadores rurais da violência sistemática deque são vítimas e também pela não prestação jurisdicional adequada, permitindo que a impunidade se estabeleça. A CIDH entendeu como válida a denúncia e em2010 foi assinado um acordo com os familiares das vítimas da chacina, no qual o Estado reconhece sua responsabilidade.

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