quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Morre o segundo sem terra baleado em fazenda no Pará


Sede da fazenda transformada em escombros

Toyota também foi queimada 



Na manhã desta quinta-feira, o Instituto Médico Legal de Marabá foi informado a respeito da morte do trabalhador rural Agnaldo Ribeiro de Queiroz, 47 anos. Ele foi baleado durante refrega que aconteceu na fazenda Gaúcha, em Bom Jesus do Tocantins, sudeste paraense no último dia 22 de setembro.

Naquela mesma ocasião, foi morto com um tiro, Jair Cleber Alves dos Santos, 50, bem como outros três sem terra foram baleados, Mateus, Daniel e o Antonio “Buchudo”. Todos foram medicados e aparentemente não correm risco de morte.
Por conta deste conflito, trabalhadores rurais sem-terra ligados à Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri), ocuparam em definitivo a fazenda Gaúcha, em Bom Jesus do Tocantins, no sudeste do Pará.

A refrega aconteceu após uma suposta tentativa de contato com o gerente daquela propriedade, Reginaldo Aparecido Augusto, que foi apontado pelos sem-terra como sendo o autor do único disparo que matou Jair Cleber.

Os sem terra tentavam passar com um trator para a parte dos fundos da fazenda, onde estão acampados há cerca de 4 anos. A intenção deles seria abrir uma estrada para dar acesso à escola Santa Lúcia, onde estudam 263 crianças do acampamento. Isso por volta do meio-dia de segunda-feira. Mas o grupo foi impedido de passar na propriedade pelo gerente da fazenda, Reginaldo Augusto. Este atravessou um carro no meio da estrada, principal acesso para a fazenda.

O caso foi denunciado na Delegacia de Polícia (Depol) de Bom Jesus do Tocantins. Uma equipe de investigadores liderada pelo delegado José Lênio Ferreira Duarte foi até a fazenda e, naquele primeiro momento o policial conseguiu intermediar uma negociação. Aparentemente os sem-terra teriam desistido de tentar entrar com o trator.

Ocorre que por volta das 18 horas, ainda segundo a versão apresentada pelo delegado José Lênio, os camponeses retornaram até a sede da fazenda para tentar, junto ao gerente, um novo contato e pedir nova permissão para passar na estrada vicinal.
Foi exatamente nesse momento que houve o desentendimento, o gerente teria sacado uma pistola e disparado um tiro em Jair dos Santos e em outros trabalhadores.

Como para cada evento dessa natureza há mais de uma versão, os sem-terra insistem em dizer que não estavam armados, justificando que foram até a sede da fazenda com a intenção de apenas conversar com Reginaldo Augusto, por quem foram recebidos a tiros.
Outro funcionário da fazenda Gaúcha, pertencente ao pecuarista paulistano Lucas Carlos Batistella, André Santos de Sousa, o “Neguinho”, foi preso ainda na segunda-feira por uma equipe da Delegacia de Conflitos Agrários (DECA), liderada pelo delegado Alexandro da Silva. Teria sido ele o autor do tiro que atingiu o tratorista Agnaldo de Queiroz.
“Neguinho” acabou sendo autuado em flagrante por tentativa de homicídio e porte ilegal de armas. O flagrante foi apresentado no final da manhã de quarta-feira 24 e naquele mesmo dia o juiz Murilo Lemos Simão relaxou o flagrante a arbitrou fiança de um salário mínimo por conta do porte ilegal de armas do acusado.

Advogada garante que gerente foi atacado primeiro

A advogada Thais Pires de Camargo Rego Monteiro, que representa os interesses da empresa Jacundá Agro Industrial Ltda, proprietária da Fazenda Gaúcha, comentou que neste episódio, o gerente teria sofrido ameaças e atirou para se defender.
Ela entende que Reginaldo Augusto se defendeu de um perigo real e iminente contra a integridade física dele, da propriedade e de familiares.
“Se ele não se defendesse, seria ele quem morreria, pois as informações que temos é que os sem-terra estavam aramados e foram até a sede da fazenda para tomar satisfação com o Reginaldo”, narra a advogada.
Em relação à alegação dos sem terra que pretendiam entrar na fazenda com um trator para abrir uma estrada para dar acesso à escola não procede, tendo em vista que já existe a estrada. “Na verdade eles queriam o trator para abrir uma estrada para retirar madeira, inclusive há várias denúncias de crime ambiental na fazenda Gaúcha protocoladas na Secretaria de Meio Ambiente e no Ibama”, afirma. 
Produtiva - O Grupo Jacundá Industrial LTDA, administrador da fazenda e que tem sede em São Paulo, contesta que a propriedade, de aproximadamente 14 mil hectares, seja terra grilada, e alega que trata-se de uma propriedade produtiva, mas que nos últimos anos está sendo atacada. 
Para a advogada Thais Pires, o que aconteceu na fazenda Gaúcha reflete no mundo todo o estado de insegurança no campo no Estado do Pará e, consequentemente, afugenta investidores. “É uma situação insustentável, o Estado está impedido de fazer perícias na fazenda. Há três dias que os sem-terra dominam por completo a fazenda, mas vamos continuar aqui cobrando”, argumenta. 


Fazenda foi reduzida a cinzas 


Escombros, casas e carros queimados. Rastros de destruição por toda parte. Este é o cenário do que restou da Fazenda Gaúcha, em Bom Jesus do Tocantins.
A destruição, segundo advogados da propriedade, está sendo atribuída aos trabalhadores rurais sem-terra. Seria uma retaliação pela morte do camponês Jair Cleber Alves dos Santos. 

A direção da Fetagri nega a autoria dessa destruição, mas, por outro lado, se mantém firme na intenção de ocupar toda a propriedade e cobrar punição para o matador de Jair Cleber.
Quem garante é o diretor da Fetagri estadual, Francisco Diassis Solidade Costa, na tarde de ontem. “A nossa luta vai continuar, vamos cobrar do Estado punição para os pistoleiros e exigir que a fazenda seja desapropriada”, salienta.
Para ele, o que aconteceu foi o desenho de um massacre, pois apenas um lado estava armado. “Com certeza, apenas os jagunços da fazenda estavam armados, pois se o nosso povo estivesse armado, com certeza haveria um derramamento de sangue e uma tragédia sem precedente”, comenta.
Independentemente das controvérsias, o fato é que o confronto revela mais uma vez o quanto o Estado engatinha quando o assunto é reforma agrária, e revela que a convivência entre sem-terra e funcionário de fazenda no mesmo território, quase sempre é hostil.
“Nem sempre essa convivência é pacífica, há sempre denúncias, tanto que na Deca pelo menos dez ocorrências foram registradas recentemente dando conta das ameaças que ocorriam na fazenda Gaúcha”, comenta o advogado José Batista Gonçalves Afonso, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Marabá. Ele comentou que nem todas as denúncias foram apuradas devidamente, no que pode ter redundado neste desfecho mortal. 
Por outro lado, o delegado titular da Delegacia de Conflitos Agrários de Marabá (Deca), Alexandre do Nascimento Silva, descartou que houve negligência, ou má vontade de apurar a situação. “Todos os procedimentos que nos foram apresentados, nós demos os devidos encaminhamentos de apuração, ouvindo as partes e tombando os inquéritos”, garante.
Entre uma dúvida e outra o delegado esclareceu que um inquérito carece de uma série de providências, como oitiva e perícias, no que pode demorar um pouco para ser concluído. “Mas em momento algum deixamos de cumprir com o nosso papel”, assegura.
No caso do confronto, o policial informou que assim que tomou conhecimento, montou uma equipe e se deslocou à fazenda, rapidez que resultou na prisão de “Neguinho”. Contudo, segundo ele, ainda são necessárias várias perícias para que o caso seja totalmente concluído. 
Enquanto as perícias não são concluídas, sem-terra e funcionários da Gaúcha continuam se digladiando. Tramita uma Ação Civil Publica (ACP), impetrada pelo Incra desde 2011 na 2ª Vara Federal de Marabá, que visa abrir um processo de arrecadação da fazenda, tendo em vista que pode se tratar de terra da União. Mas ainda não houve o pronunciamento em definitivo a respeito desse impasse judicial.
A Fetagri, por sua vez, pretende convocar uma audiência nessa Vara para cobrar celeridade no processo, o que deve acontecer na próxima semana, segundo informou o coordenador estadual, Diassis Solidade.
Por enquanto os sem-terra mantém total controle da propriedade. Mas o setor jurídico da Fazenda Gaúcha promete tomar providências para tentar reaver o imóvel rural, e também está tentando libertar o trabalhador da fazenda, “Neguinho”. 





Nota de esclarecimento
  

A Jacundá Agro Industrial Ltda, proprietária da Fazenda Gaúcha, localizada em Bom Jesus do Tocantins (PA), vem a público esclarecer fatos importantes relacionados aos acontecimentos de segunda-feira (22).
As informações divulgadas pelos invasores da propriedade são inverídicas. Ao levar tratores para dentro da fazenda, o verdadeiro objetivo dos sem-terra era escoar madeira retirada ilegalmente de uma Área de Preservação Permanente (APP). O crime ambiental praticado pelos invasores vem sendo formalmente notificado, há anos, às autoridades competentes, pela Fazenda e por seus funcionários.
Reginaldo Aparecido Augusto, funcionário da Fazenda Gaúcha, tentou impedir o crime ambiental e foi ameaçado pelos invasores. Decidiu, então, chamar a polícia, que compareceu à propriedade. No entanto, depois que as autoridades foram embora, Reginaldo foi covardemente acuado na sede da fazenda por mais de cem homens armados com espingardas, facões e pedaços de pau. Furiosos, batiam nas portas e janelas forçando a invasão da casa. Para não ser morto pelos sem-terra, Reginaldo agiu em legítima defesa.
A Jacundá lamenta profundamente o ocorrido.

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